Processo criativo

O rosa não existe

Uma abordagem otimista sobre o que realmente nos espera no processo de busca.

- By Antônio Dellatore

O rosa não existe

Existe uma estranha condição aos curiosos.

A necessidade de entender algo a fundo, e perder horas e mais horas lendo e ouvindo sobre os mais variados assuntos. Nessa relação de buscar sempre a resposta das coisas, nos deparamos com o pensamento científico, processo que leva, principalmente, ao um ‘não, essa coisa não é assim’. Há quem pense nesse método de observar a vida como um tanto pessimista, tudo precisa de uma explicação; mas para mim, não existe magia maior do que uma negativa pode gerar, abrindo uma infinidade de possibilidades novas. Como diria Carl Sagan, “A ciência não é somente compatível com a espiritualidade; ela é uma fonte profunda de espiritualidade.

Talvez esse seja um dos motivos por que me encontrei no design. O questionamento faz parte contínua do processo de desenvolvimento, eu falo principalmente do momento metodológico, da compreensão do problema e da hora de mapear tudo o que é necessário entender. Quem ouve de verdade vai receber alguns “não” pelo caminho. Interagindo com nosso cliente, usuário, consumidor, podemos entender que “não somos tão ousados, somos XYZ. Mas também não somos só isso;”. 

A própria forma de questionar as coisas muda tudo. O “não” pode ser uma porta que se abre para as possibilidades, nos guiando pelo caminho menos comum em busca de novas soluções. Eu nunca disse que é fácil ser curioso, mas há mais que um punhado de curiosidades na manga, ganha-se também a capacidade de imaginar além, e é sobre isso que eu quero falar.

Sem príncipe encantado

Até para contar uma história, usamos o ‘não’ como fio condutor em seu desenrolar. “Não vá pela floresta chapeuzinho”; ou, como o caso da Pixar, que pode até soar clichê, mas sendo designer, a história da minha profissão começa com um clichê, então, vamos lá.

A Pixar surgiu com a proposta de trazer o 3D para o universo da animação, nascida com o nome de Graphics Group, a empresa já vinha surpreendendo o mercado do cinema desde os filmes da saga Star Wars na década de 70. O desafio era gigante, o mercado da animação vinha sendo monopolizado pela Disney, desde sua adaptação da Branca de Neve em 1937. Vindo na contramão e depois da explosão com o investimento de Steve Jobs, a Pixar veio com uma nova proposta: seus personagens não cantavam; As histórias não giravam  ao redor de uma trama romântica ou como auge da trama; Não existisse um vilão supremo, pelo menos não inicialmente. Você pode até discordar, mas o vizinho do Andy era uma criança muito criativa com os brinquedos, sem dúvida muito rebelde, mas ainda sim muito criativo.

Sem dúvida, ‘Não faça isso, não faça aquilo’ pode parecer um gargalo criativo, às vezes até desesperador, mas isso força o processo a contornar essas questões, trazendo soluções no mínimo inesperadas. Mas eu ainda estou divagando sobre o assunto principal desse texto, um projeto que assim como a Pixar, começa com o ‘não’ desde o nome e como isso guiou as tomadas de decisão que vieram a partir disso.

Inconformidade e criação

Em 2023 nos deparamos com um projeto ousado: uma startup que prometia ser inconformada, disruptiva e inovadora — você já deve ter ouvido isso um milhão de vezes, não é mesmo? Mas parecia algo realmente diferente, o projeto chegou até nossas mãos com um planejamento consolidado e um nome que refletia sua indignação com o segmento das telecoms, como diria Ozzy Osbourne: No More Tears (as ‘lágrimas’ não estavam inclusas, mas pra mim fazia todo sentido, já tentou cancelar seu plano de celular?). A Nomo veio dessa vontade de romper com o que as outras marcas do segmento fazem de ruim, entendendo o que eram as maiores reclamações entre os usuários de aparelhos móveis.

Mas até então, um nome não se constrói sozinho, isso é algo que precisava refletir todo aquele material já consolidado. A propósito, se você não sabe sobre o que estou falando ainda, vai dá uma olhada no projeto completo e depois volta aqui, ele tá completinho no nosso Behance.

Voltando para o assunto, a Nomo precisava incorporar toda essa indignação que a fazia tão única, começar com esse nome que flexiona o No More era só o primeiro passo de muitos. Partimos para o visual com um punhado de ideias na cabeça e muito papel disponível, começamos a testar. Desde os experimentos mais óbvios, ao equilíbrio do encontro do movimento gestual, as curvas animadas, toda fluidez humana parecia clara para esse momento: dizer não era propor um novo caminho, um jeito novo de se fazer, e manter esse caminho em constante expansão.  Mas – e sempre tem um mas – faltava a ponte que conectava, ou nesse caso, que não se conectava, a mudança para algo que não tem nos outros.

E lá se foram folhas e mais folhas de rascunho, horas na frente da lousa, desenhos e mais desenhos de um N que captasse toda a proposição do novo que estávamos buscando. E isso foi alimentando nosso repertório, da nossa análise de mercado ampla, observamos telecoms de toda América Latina, buscando entender o que nos faria diferente. Um dos ‘não’ foi fugir do tão utilizado ‘light painting’, as luzes em velocidade fotografadas em alta exposição que você provavelmente já viu em algum anúncio telecom (Alô agências de marketing, nada pessoal!). 

Mas quando entendemos também nossa presença na ausência dos concorrentes da maneira mais simples possível, algo mudou. É daí que surge o rosa que você viu no painel semântico acima, esse tom bonitão. Ao observar o mercado internacional telecom, ficou claro que nenhuma grande marca se apoiava com predominância ou somente nele.

 

 

Isso acontece em vários segmentos, dá pra ver isso nessa pesquisa que a equipe do Canva mapeou, onde dá pra ver que nenhuma empresa presente no Fortune 500 opta pelo rosa. Inclusive, um processo parecido aconteceu com o roxo, que aqui no Brasil já se tornou o “roxinho”, e hoje já é de uso mais comum. Nesse recorte ele começa a aparecer de maneira mais tímida.

Color psychology: The logo color tricks used by top companies—and how to design your own – via Canva.

Infelizmente a gente não inventou o rosa, mas, a partir dessas análises, o rosa ganhou força do ponto de vista estratégico, como uma zona com pouca predominância de marcas relevantes. Daí nosso repertório começou a ganhar novas camadas e entendemos essa oportunidade por outros pontos de vista.

Fantasma da mudança

Caro leitor, peço que não me abandone com essa afirmação que pode soar estranha, mas o rosa nem existe de verdade – Uma pausa para você questionar tudo o que eu falei até agora baseado nesse fato inesperado, pode tomar seu tempo.

Retomando, do RGB mais simples, à mais recente tela OLED, o rosa é completamente visível. Mas, como propriedade física, como uma parte do espectro de onda da luz visível, o rosa não está lá. Mesmo que você tenha em suas mãos, uma flor rosa e uma amarela, o amarelo que é absorvido por você não é recebido da mesma maneira que compreendemos o rosa.

 

Fonte: Elena Pimukova e Wikipedia

 

Você olhou para o círculo cromático e pensou: “O rosa está ali, entre o roxo e o vermelho”; Mas, assim como tudo que permeia o design, o rosa é fruto da nossa percepção de mundo. Ele quase que passa por cima do que compreendemos da física, mesclando a biologia humana com a sobreposição de ondas eletromagnéticas que nos proporcionam isso. Como já dizia Cézanne: “Cor é o lugar onde nosso cérebro encontra o universo”, e nesse caso, nem o universo e nem o rosa se importam se conseguimos medir ele ou não. 

Mais uma vez, como curioso que sou, fui buscar entender a relação de visão e das cores, e como a percepção varia de animal para animal com uma variedade enorme de fatores que afetam sua percepção. Aliás, não só o rosa, mas provavelmente todas as cores são mera interpretação mente e realidade, mas isso é assunto para outra discussão, uma coisa de cada vez.

 Bom, como sociedade, o que importa são os sentidos e interpretações que colocamos em cima das cores, no caso do uso do rosa, sua percepção mudou muito em poucos séculos, sofreu alterações significativas de uso para a cultura ocidental. 

De ser considerado, durante o século XIX, um tom de vermelho claro sempre vinculado com a figura de meninos, em um reforço de gênero e maturidade através do ganho de saturação da cor até alcançar o vermelho; o sentido foi mudando em pouco tempo. Já no começo do século XX, durante a grande guerra, os campos de concentração usavam a cor rosa como identificador de homossexuais e agressores sexuais, ganhando novas camadas de conotação. Poucos anos mais tarde, a indústria da beleza, que se consolidava no pós-guerra buscava um novo nicho a ser explorado, apoderou-se do rosa como signo de feminilidade.

 

A maior parte que temos de associações com o rosa hoje, vem da década de 80, sendo reivindicada como uma cor de luta, de orgulho, principalmente entre comunidades queer e movimentos de prevenção e conscientização sobre a AIDS – Não preciso nem falar da P!nk ne?. Hoje, o rosa, carregado de signos tão recentes em sua história, se torna um símbolo de revolução e inconformidade. 

 

Do que estamos em busca?

 

Somos seres complexos em ambientes vivos e dinâmicos, e o design torna possível uma maneira de olhar a nossa volta que poucas outras profissões permitem.

 

Pode me chamar de emocionado, ou de doido mesmo. Mas somente o ato de contar essa história me deixa empolgado. Buscar as respostas que alguns ‘não’ nos proporcionaram neste projeto foi mergulhar além das pesquisas convencionais de design. 

 

Foi olhar para como entendemos a realidade à nossa volta.